Jaqueline Naujorks

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Como pedir perdão a dona Horaide? 3z477

Onde falhamos em não proteger uma senhora de 84 anos de tamanha violência? 5x1o5d

Era quinta-feira santa. Para os cristãos, o começo de um rito de 3 dias de reflexão para relembrar a tortura e o assassinato de Jesus Cristo, o homem que amou o mundo. Nesta quinta em especial, um homem que trabalhava em uma distribuidora ao lado da casa de uma idosa, como um bárbaro sem qualquer senso de humanidade, planejou invadir essa casa e cometer uma das maiores atrocidades já noticiadas.

dona Horaide

Nesta coluna vou dizer o que ninguém disse, porque o desconforto é gigantesco.
A delicadeza no uso das palavras não pode nos proteger da crueza da realidade. Você consegue imaginar o que acabo de contar? Não consegue, não é?
Seu estômago embrulha. Você sente um arrepio na espinha, náusea, e quer logo parar de pensar nisso. Mas a família de dona Horaide não terá essa opção. Eles nunca mais vão esquecer a Páscoa de 2024.

Mato Grosso é um estado maravilhoso, mas simplesmente aterrador para uma mulher viver. Os números altíssimos de feminicídios e de violência contra a mulher, podem parecer comuns diante dos índices de outros estados, mas é impressionante o nível de desprezo ao feminino, que de maneira assustadora, é um traço comum aos casos registrados aqui.

São assassinatos impensáveis: mulheres esfaqueadas na mesa do almoço, na frente dos filhos. Crianças trancadas 2 dias ao lado do corpo da mãe. Tiros disparados no rosto da mulher a centímetros de distância. A mãe estuprada e morta junto com as 3 filhas, dentro de casa. Uma advogada violentada e morta no primeiro encontro. Um ex inconformado esfaqueando a moça de mãos dadas com o filhinho, no meio da rua. Homens armando tocaia na frente de uma rodoviária, dentro de um bar, na porta do prédio, sem qualquer pudor.

São crimes cometidos por homens sem o mínimo arrependimento, tamanha certeza que têm da legitimidade de seus atos. Sempre há alguém para contemporizar: estava alterado, estava nervoso, estava bêbado, ou como no caso do assassino desta senhora, estava drogado. Até o povo procura explicação para o inexplicável. Não há justificativa além da pura maldade. Não tem atenuante.

Você consegue olhar para a foto de dona Horaide e imaginar o horror que ela viveu? Não consegue, não é? Você pensa na sua mãe, na sua avó, na sua vizinha viúva, de saúde frágil, cheia de dores, totalmente indefesa. E se sente um ser humano de nada, uma criatura imprestável.

A dor da família de dona Horaide precisa nos incomodar o suficiente para pedirmos punições mais severas, em todo espaço possível. Ela não pode cair no esquecimento. Não pode ser esmaecida pela ação do tempo.

Poderia ser a minha mãe, poderia ser a sua. Aquela que você cuida, protege, compra os remédios, coloca rampa na casa, paga alguém para ajudar na limpeza. Uma senhora como as que você vê na missa, no mercado, na sala de espera do médico. O impensável, o absurdo, o suprassumo da violência contra uma vítima sem qualquer defesa.

Dona Horaide não usava roupa curta, nem vestido apertado. Não andava pela rua sozinha, não bebeu, não estava por aí de madrugada, não escolheu mal seu companheiro, nenhuma das “explicações” que a sociedade levanta para culpabilizar a mulher. Ela foi violentada dentro da própria casa. Uma senhora de 84 anos, torturada e morta por um inimigo que sequer sabia que tinha.

Minha avó dizia que Jesus tem muitas faces: o esfarrapado dormindo na rua, a mulher com o bebê no colo, a criança magra que pede dinheiro no sinal. Ironicamente, no dia em que a humanidade silencia em contrição por um homem inocente que foi torturado e morto, sentindo ódio da crueldade dos bárbaros nas encenações da Paixão de Cristo, nos filmes, nos sermões dentro das igrejas, uma senhora de 84 anos padecia pelas mãos de outro bárbaro no bairro ao lado.

Perdão, dona Horaide!
Perdão por falharmos tão miseravelmente como sociedade a ponto de não protegermos sua vida. Perdão por termos evoluído tão pouco em 2 mil anos, que ao ver ser derramado o sangue inocente, não subimos nos palanques aos berros por justiça. Que a nossa oração lhe alcance, assim como acreditamos com tanta fé que ela alcança Jesus. Que no seu descanso haja apenas paz, e que a eternidade lhe proteja do que a humanidade não protegeu.

Em memória de Horaide Bueno Stringhini.

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (5) 2f4fe

  • Fabio

    Apesar de se tratar de um crime bárbaro, não foi um feminicidio como relata a coluna, este é um caso de latrocínio, que por sinal é outro tipo de crime que tem crescido absurdamente nos últimos meses.

  • Luiz Felipe Stringhini

    Linda mensagem, vamos orar para que minha avó e tantas outras vítimas sejam acolhidas por Deus e que as pessoas de poder tenham compaixão uma vez na vida e alterem as leis, criando leis mais severas para esses “cidadãos” que acometem essas barbáries.

  • Brigida godoy

    Enquanto os homens “detentores”da lei,não as cumprir,vai ser sempre assim, afinal não os atinge,não causa dores,por não serem entes queridos,homens protegendo homens,como se fossem únicos, enquanto as vítimas caem no esquecimento.????????????????

  • B.A. Amorim

    Mudança nas leis “já” feminicídios e pedófilos.

  • Nazare Oliveira

    Bom dia Jaqueline, voce que é tão atuante em defesa dos direitos das mulheres, suas palavras me fazem refletir muito para me tornar uma mulher que se impoe e busca pelos meus direitos. Fico compadecida com mulheres que estão sofrendo com relacionamentos toxicos. Gostaria que voce abordasse sobre mais este caso terrivel da violencia sofrida pela esposa do filho do nosso presidente. acho importante se falar sobre isso porque a violência esta na casa de todas as classes sociais.

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