Síndrome da impostora: quando a mulher tem medo de vencer 6p216e
A sociedade não prepara meninas para serem grandes líderes, e quando mulheres alcançam essa posição, se sentem deslocadas e duvidam da própria capacidade. Certa vez fiz uma entrevista que mudou a minha vida.Uma mulher, chefe do setor de eventos de uma multinacional que você certamente conhece o nome. Ela coordenava um setor com mais ou […] 6n46j
A sociedade não prepara meninas para serem grandes líderes, e quando mulheres alcançam essa posição, se sentem deslocadas e duvidam da própria capacidade.
Certa vez fiz uma entrevista que mudou a minha vida.
Uma mulher, chefe do setor de eventos de uma multinacional que você certamente conhece o nome. Ela coordenava um setor com mais ou menos 230 funcionários espalhados por uns 12 países e fazia listas de convidados para eventos que continham gente, digamos, de Barack Obama a Rihanna.
Pelo vídeo, eu observava fascinada aquela mulher poderosíssima no seu mundo.
Eram 9h da manhã e nos falávamos pelo skype. Ana era belíssima, tinha o cabelo escuro, solto, óculos grandes de armação grossa, zero maquiagem e usava um blusão branco de lã. Falava de Nova Iorque, no escritório do próprio apartamento, segurava uma caneca verde na mão e tomava tranquilamente seu chá numa manhã de inverno. Ao fundo, servindo de cenário, plantas bem cuidadas dispostas entre livros em impecáveis prateleiras no estilo industrial, numa parede de tijolos brancos. Parecia cena de revista de decoração daquelas casas de gente rica. Fiquei tão impressionada que travei na hora de começar a perguntar.

Fiquei pensando em como deve ser sair da cama sabendo que pesa uma responsabilidade dessas sobre as suas costas. Bilhões de dólares, centenas de subordinados, reuniões com gente grande, eventos com chefes de estado, decisões importantes, documentos assinados, nada pode dar errado, NADA PODE DAR ERRADO. A ansiedade começou a bater em mim. Juro, só de me imaginar no lugar dela, tomei uma descarga de adrenalina tão grande que fiquei até tonta.
Começamos a entrevista.
Sabe qual era o tema?
Síndrome da Impostora.
Quando uma mulher alcança um posto alto, existe um tipo muito particular de crise existencial que nos atinge, e ecoa em noções ancestrais de posição social. Mulheres são preparadas para a função de cuidar, tanto que o brinquedo mais comum para a menina é um protótipo de ser humano, uma boneca. Você é ensinada desde muito cedo a ninar, a desenvolver amor por brincar de casinha, ter suas inhas, e dividir essa atividade com outras meninas. Te ensinam a cuidar de uma casa, dos irmãos, da limpeza, mas não te ensinam a ser empreendedora, empresária, papeis, tomar decisões, a menina não brinca de ser Presidente da República.
Quando uma mulher começa a galgar degraus na profissão e focar sua energia na carreira, ela precisa fazer escolhas que, muitas vezes, não têm outro precedente entre seus exemplos na família – mãe, tia, avó, irmã. Ter a cabeça fria para trabalhar e crescer exige muito da gente, principalmente se você acumula a função de mãe e dona de casa, o que sabemos, é a esmagadora maioria. No fim do dia, quando o cansaço bate e você pensa no próprio futuro, se depara com aquele questionamento: o que é que eu estou fazendo aqui?
Síndrome da Impostora é quando você acha que, a qualquer momento, as pessoas vão descobrir que você é uma fraude. Que teve sorte, que alguém te colocou na posição em que está, que você na verdade não é competente para fazer o que faz. É quando você sente que não serve para ganhar dinheiro e poder no mundo dos grandes, acha que não tem capacidade para brigar por coisas maiores, uma promoção, um cargo bom, uma cadeira no senado, uma função incrível como a da minha entrevistada.
Quando ela chegou a essa posição, também começou a questionar sua competência. Achava que era sorte, que seu currículo tinha sido selecionado por acaso, que ela estava num dia bom na entrevista. Quando começou a liderar homens que estavam no mercado há mais tempo, ficava ansiosa, era intimidada de uma maneira muito sutil: se sentia deslocada por ser considerada competente e preparada, “apesar” de ser jovem. Tinha receio de delegar com firmeza e conta que, em várias reuniões, foi firme em seus posicionamentos e bancou suas decisões, para 10 minutos depois, ter uma crise de ansiedade escondida no banheiro da empresa.
Quando você pensa em uma alta executiva de uma companhia sendo ouvida por autoridades, imagina uma mulher de cabelo curto, meia-idade, usando um terninho discreto e pouca maquiagem. No nosso imaginário, a mulher de sucesso precisa parecer, pasme, levemente masculina. Deixe entrar na sala a diva de salto agulha e batom vermelho, segura de sua competência, e veja as pessoas se perguntando de quem ela herdou a presidência ou com quem pode estar se relacionando. Todos esses estereótipos somados contribuem para que você mesma questione sua trajetória quando for subir no lugar mais alto do pódio.

Em algum momento da vida, nos fazem acreditar que o lugar de uma jovem bonita é sentada ao lado de um marido bem-sucedido, e não sentada na cabeceira de uma mesa de reuniões apresentando um projeto para executivos do mundo todo. Tudo o que você estudou, todo o seu esforço, seu preparo, sua luta por protagonismo, desbotam diante do medo de ir além das portas que já abriram para você. Se a próxima porta tiver que ser chutada, sua coragem desaparece. E não pense que ela se esconde: é a hora que você reencontra a menina com as inhas, e se pergunta se a vida de adulta faria mais sentido se não tivesse decidido nadar com os tubarões.
“Se quiser nadar entre os tubarões, não sangre”.
Pois é, minha amiga. Mas mulheres sangram.
E nós sabemos muito bem o que isso quer dizer.
Ana, a entrevistada que mudou minha vida, simplesmente me disse isso:
“A gente precisa aprender a ficar confortável com a própria vitória. O mundo não te prepara para ser pioneira, mas você tem que aprender a se preparar sozinha. Seu pagamento é ajudar a mudar o mundo ensinando outras mulheres a jamais questionarem sua própria jornada”.
Obrigada, Ana.
Obrigada.